Felicidade, tomates podres e Tom Jobim

Nós somos claramente responsáveis pelas consequências das nossas atitudes. Como há algumas semanas, quando me dei conta de que tinha acabado a energia elétrica no bairro. Foram três horas vivendo na 'Era pré-Thomas Edison', em um dia cheio de textos deixados para a última hora.
Nós também somos responsáveis pelo que dizemos - e pelo que deixamos de dizer. Sou pentacampeão mundial na categoria falar coisas horríveis sem pensar. E, na maioria das vezes, o arrependimento vem durante o vômito de palavras inconsequentes, raramente acompanhado de um pedido de desculpas. Porque sou hexacampeão em orgulho idiota.
Nós somos responsáveis - ou pelo menos tentamos ser responsáveis - por uma lista infindável de obrigações morais. Não conseguimos nem nos livrar daqueles que cativamos. Como decretou Saint-Exupéry em "O Pequeno Príncipe", somos eternamente responsáveis por essa gente. E eu sei bem disso, pois não suporto a ideia de que exista alguém no mundo que não goste de mim.
A justificativa para todas essas responsabilidades, incluindo a de ficar magro, bem vestido, ter um trabalho apaixonante e uma pessoa incrível para amar e ser amado, é chegar a algo próximo do que se considera "felicidade".
Mas será que, assim como nossas contas para pagar, nós somos os únicos responsáveis por nossa própria felicidade?
É natural pensarmos que não. Aprendemos desde cedo, na escola, que os seres humanos dependem de outros seres humanos. Lembro da professora de "Filosofia" falando sobre como o comércio é uma das provas de que não somos autosuficientes. Nós precisamos trocar para sobreviver.
E seguindo essa lógica, seria, de fato, impossível ser feliz sozinho. Tom Jobim devia concordar com a minha antiga professora de "Atualidades". De repente eles até já se pegaram. Isso explicaria muita coisa do que ela dizia nas aulas.
De todo modo, se eles estiverem certos - minha professora de "Filosofia" e o Tom Jobim - então a felicidade está fora da nossa esfera de responsabilidade. Nós dependemos da troca com outros seres humanos para sobreviver. Nós dependemos do quanto os cativaremos e do quanto seremos cativados por eles. Nós dependemos das suas escolhas, das suas palavras e das consequências de suas atitudes. E, por isso, meus caros, seja como for, a culpa por nossos infortúnios jamais haverá de ser nossa.
Ufa.
Acontece que, ao nos livrarmos do terrível peso de sermos os únicos responsáveis por nossa própria felicidade, adquirimos outras cargas, tão trambolhudas quanto. Como a autopiedade, por exemplo. Culpar o mundo pelas injustiças sofridas, lamuriar-se pelas tristezas vivenciadas, sofrer, sofrer, sofrer, e depois sofrer mais um pouco é o que os seres humanos fazem quando isentos da responsabilidade de serem felizes.
Ok, nós precisamos da troca com outros seres humanos. Nós damos batatas e recebemos tomates de volta. Só que se os tomates vierem todos podres, cabe somente a nós decidir o que fazer com eles. Podemos sentar e chorar, nos vitimizar, repetir que "só acontece comigo", que "é sempre assim", "ó vida, ó azar"... ouuu - e sim, existe um ou - podemos elegantemente juntar os tomates podres, jogá-los na lixeira e fazer o melhor que nos for possível com as batatas que restaram na despensa.
Não digo que é um trabalho simples. É milhões de vezes mais tentador chorar pelos tomates podres no chão. Eu, por exemplo, seria um suicida nato, não fosse pelo meu egocentrismo exacerbado. Sou bom demais para morrer, seria um desperdício. Mas tenho total consciência de quando escolho ser infeliz. É aquela fração de segundo em que você deliberadamente opta pelo sofrimento. Você tinha escolha, mas preferiu a habitual dose de autodestruição e autopiedade. E é quase compreensível. É muito mais fácil ser infeliz.
Para tentar ser feliz, você precisa assumir responsabilidade pelas trocas efetuadas com outros seres humanos. Para o bem e para o mal, você é o único responsável pela forma como essas negociações te afetam. Já para ser infeliz, você não precisa fazer absolutamente nada. É só esperar um pouco que os tomates podres virão. E eles virão aos montes.

9 comentários:

  1. Sim, dependemos do outro e não, nunca seremos felizes, felicidade são como vidrinhos abertos as vezes, só podemos está felizes, ser jamais =/

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  2. Quantas vezes você lê isso por dia? "Obrigada por falar tanto por mim!"; "Você roubou a minha vida"; "Você roubou a minha história"?

    É que se eu fôsse uma blogueira genial, dessas que conseguem até formular seus pensamentos de forma genial, eu seria exatamente igual a você. Porque eu compartilho sua dor. Babaca, eu sei: mas compartilho.

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    1. Ouço isso sim. Que bom. Significa que meu trabalho tem alguma relevância. :)

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    2. Tem muita relevância! Espero que não deixe o blog! :)

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  3. Belo texto, como sempre. Belo ponto de vista, embora eu näo concorde com ele. Acredito, sim, que somos, totalmente, responsáveis tanto por nossa infelicidade quanto por nossa felicidade. Fácil é por a culpa no mundo e dizer que por causa do mundo somos infelizes. Em algum lugar eu li que a Felicidade deve ser conquistada, pode ser difícil, e eu acho que o seja realmente, mas eu jamais permito que alguém me deixe mais mal do que meus problemas me deixam. Depende de nós sermos tristes ou alegres. A vida é feita de escolhas, e eu escolho TENTAR ser feliz, ainda que seja difícil. Afinal, minha outra opçao é esperar um inverossímel príncipe encantado.

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    1. Ué, mas foi exatamente o que eu disse! Limpa esses óculos direito, menina!

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  4. Arrasou! Seu ultimo texto tem demonstrado um certo amadurecimento em relacao aos assuntos. Adorei.

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  5. Você já leu o livro Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres da Clarice? Ensina muito sobre essa impossibilidade de ser feliz sozinho.
    Obrigada pelo texto sensato em um dia difícil.

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  6. Luan deve estar apaixonado, e com a vida amorosa dando certo! Vejam o texto dele, certeza! HAHAHA
    Parabéns, ótimo texto...como sempre.

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