Ontem

  Nasci por volta das onze horas da manhã de sábado, no ano de mil novecentos e noventa e quatro, num hospital do município de 3 Corações.
  Gravidez de risco, disse o médico. Eu deveria ter nascido com três pernas, um olho só ou alguma coisa horrível do tipo. Eu sobrevivi, e minha mãe também. Tenho duas pernas e dois olhos não muito alinhados, mas sobrevivi bem. 
  Tenho poucas lembranças da minha época de muito muito novo. Quanto mais o tempo passa, mais as memórias vão se esvanescendo. Lembro de brincar no quintal, no canteiro onde minha mãe tinha uma horta. Eu gostava dos tatu-bola. Acho que eles não gostavam muito de mim. 
  Lembro de morar ao lado da casa do meu primo, e de brincar num terreno baldio atrás da minha casa. Lembro também de muitos machucados. Eu sempre estava com um corte, um roxo ou alguma parte do meu corpo doendo. Eu nunca fui uma criança travessa.
As vezes acho que meus pais pensavam que eu era autista, mas isso é só uma suspeita. Lembro que fui à praia, pela primeira vez. Eu disse algo como "é muito grande" enquanto corria para dentro da água, de roupa e tudo. A praia continua grande, mas meu entusiasmo sobre ela diminuiu drasticamente.
   Meu quarto era maior. Tinha a impressão de ter um quarto do tamanho de uma quadra de tênis. Muito pela cor verde do carpete, das quais eu raspava meu joelho diariamente deixando marcas vermelhas e dolorosas. Quando você é pequeno, tem a impressão de que tudo é enorme, mas nunca percebe que no caso, você é pequeno.
   A gente cresce e o resto diminui, logo o quarto não tem o tamanho suficiente. Mas nunca temos mais valor do que uma bola de tênis na quadra. A gente fica meio como a rede. Parado alí olhando a bolinha ir de um lado para o outro, as vezes acertando nosso saco.
Os meus maiores medos eram : Morrer de fome como os documentários sobre a África, Freddy Kruegger, ser engolido pelo vaso sanitário após dar a descarga (o que se transformou num pavor terrível sobre dar a descarga durante um tempo) e terremotos. Eu morria de medo dos terremotos. Posteriormente também adquiri um medo muito grande do filme O Exorcista.
Acho que fiz parte da parte ovelha-negra da família toda. E da minha própria família também.
  Eu gostava dos meus bonecos. Tinha 3. Passava o dia inteiro em algum canto da casa inventando alguma história com eles. Algumas duravam mais de 3 dias, eu acordava empolgado para continuar brincando porque tinha criado uma história interessante.
Gostava de videogame, também. Ficava tão imerso, que mesmo após parar de jogar, ainda imaginava que tudo era um jogo de videogame. As vezes até me convencia disso.
Eu gostava de guerras, armas, coisas explodindo e pessoas morrendo. Quando eu era pequeno, eu torcia para que houvesse uma terceira guerra mundial. Minha mãe dizia que "a terceira guerra mundial virá, e a bomba atômica faria o juízo final". Você cresce esperando o juízo final que está sempre próximo, e ele nunca chega.
Sempre fui o menor dos meninos. Preferia os que não tinham vida social como eu. Eles sabiam inventar histórias muito mais interessantes e não tentavam me bater. Com 12 anos eu sabia de cor o nome dos modelos de armas mais usadas no mundo. Gostava dos monstros, dos vilões, dos garotos que metralhavam os colegas de classe nos Estados Unidos. Gostava de dinossauros. Tomahawks. Bússolas. Gostava de balas de goma, de café com leite. Gostava de boxe, de hamsters. Torradas e karatê.
Passei mais da metade da minha vida dentro do meu quarto.
Queria engolir o mundo com tudo que tinha dentro.
Você cresce e repara que já estava sendo engolido pelo mundo faz tempo.

 

16 comentários:

  1. "Você cresce esperando o juízo final que está sempre próximo, e ele nunca chega."
    Ri muito com essa parte do texto.
    Gostei bastante do seu estilo de escrever... E me identifiquei um tanto com a sua infância... vou acompanhar seu blog agora =)

    Abraço!

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  2. Quando eu era pequena eu também achava tudo muito grande pra mim, e fazia de tudo um objetivo: crescer e alcançar tal coisa, fazer do meu quarto alguma coisa do meu tamanho (aí que começou a bagunça e tudo, haha). Lógico que tem coisas que ainda são grandes - e fora de alcance - pra mim, mas tanto faz.
    Me identifiquei com isso, e mais ainda sobre o medo do Freddy Kruegger, que continua até hoje, HAHAHAHA.

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  4. Quando eu era pequena lembro de querer assistir "Bananas de Pijamas" e ter primos mais velhos que queriam assistir "Cavaleiros do Zodíaco" na mesma televisão, na minha televisão, daí eles me batiam.
    Aliás, um monte de gente estava sempre me batendo porque dizia que eu era feia ou esquisita.
    E eu tinha criação de tatu-bola, com um primomais velho, a gente pegou uma caixa de costura antiga da minha avó e fez um super oásis, até banho quente neles nós dávamos, mas mesmo assim eles morriam, não sabíamo porquê..
    Escrevendo isso meu irmão falou "ermã, eu consigui mais dois tatu-bolas pra minha coleção".
    Enfim.. me deu nostalgia.

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  5. Eu também já fui engolida pelo mundo. Desde então crio mundos e engulo todos eles. Mas nem sou esquizofrênica e ainda sinto uma breve satisfação. Mas é falsa, o que não me deixa satisfeita. Bom, vou parar de escrever. (P.S.: Eu adoro balas de goma em forma de minhoca que têm dois sabores, são muito boas).

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  6. Soou assustador, ás vezes.

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  7. Ri um pouco lendo este post.
    Espero que isso tudo que contou seja mais imaginação do que realidade...

    rs

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  8. É muita onda esse cara. Me indentifico com suas observaçoes.

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  9. Todo mundo defecando pela boca, falando que e igual

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  10. O que é interessante é que ele é ele mesmo talvez isso aproxime o que temos de cumum que é sermos seres humanos

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  11. Comentário excluídoquinta-feira, dezembro 29, 2011

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  12. gostei muito da forma como você escreve ela é impessoal e familiar ao mesmo tempo, tem um tipo de "rotiniedade" própria de um ser humano qualquer, não é pra ser um herói então sempre supera nossas expectativas, você também enfatiza pequenas coisas que em um primeiro golpe de vista não são importantes, mas são detalhes que para um olhar mais atento faz muita diferença

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  13. Muito bom o texto luan, paarabéns (:
    sua infância foi bem diferente, k mas gostei bastante do texto !
    até, http://chooseelas.blogspot.com

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  14. Luan eu adoro sua forma de escrever, sua forma de pensar e sua forma de agir, se as pessoas conseguissem ver no mesmo ponto que outras o mundo seria uma merda. Mas se tivesse uma pessoa que colocasse seu ponto do jeito que coloca, beem... O mundo continuaria uma merda, mas parabens Luan!

    Eu tenho 12 anos e me chamo Maria.

    Luan ja pensou em escrever um livro ?

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    1. Hahahahahahahahahahahahaha putz um livro?? Acho que não rola hahahaha.

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